segunda-feira, 1 de junho de 2009

A ALMA DA CASA



Era uma casa que tinha alma. Ruídos esquisitos, ventos sibilantes, vultos corridos e luzes que tremulavam. Gritos vinham de várias direções. Eram crianças que corriam a procura de algo seguro. Era muita gente a transitar, a gritar e a querer alguma coisa. O assoalho rangia, as cadeiras estalavam e a noite, ficava apenas o tremor da chama das velas a iluminar os ambientes.
Todos haviam jantado. Foi quando sentiram a mesa tremer. Cada um correu para uma direção procurando um colo seguro. Era nada, apenas a irmã do meio a sacudir o móvel. Todos pensaram ser uma força de outro lugar, de outro mundo. Nem comentavam para não atiçar mais, quem estava quieto.
As duas irmãs menores, assustadíssimas, mantinham-se acordadas fazendo companhia uma a outra. Cansadas e amedrontadas, inventaram um jogo; cada uma dormiria cinco minutos. No cinco minutos de vigília de uma, a outra se entregou a Morfeu. Só e apavorada, a pequena cobriu-se tentando chamar o sono. Exausta, só acordou com o movimento matinal da casa.
A avó, desde cedo, já estava supervisionando as criadas na composição do café da manhã. Mesa farta, com pães, bolos , cuscuz cearense com muita manteiga e leite de coco. Mesa posta, a velha senhora refez suas tranças e sua oração da manhã. Sentou-se a mesa e a criançada com suas respectivas mães.
Confusão de sempre, um puxa daqui, outro implica dali mas ao final todos haviam se alimentado. Como uns raios, ganharam a rua. Bola rolou, corda bateu e pularam muito. Eram livres como o vento, corriam e brincavam de esconde esconde, pique estátua, queimado e muitas cantigas de roda. A tarde caía e o medo voltava.
A irmã do meio, medo algum tinha. Era esperta, esguia e ágil. Enfrentava tudo e todos a seguiam, até mesmo em excursões... ao cemitério, pela manhã é claro!
As duas menores, aos domingos, iam a missa e comungavam. Sem pegado algum, acreditavam estarem salvas do outro mundo. Ledo engano, pois a mais velha, rapidamente lhes contava o quanto estavam perto das almas mais puras do paraíso e dessa forma, poderiam ter visões de quem já tinha partido. Apavoradas, corriam em direção da velha avó, que lhes dava o terço, e punha-as a rezar.
E foi para quem menos acreditava em almas, que ela apareceu. A matriarca confundiu-a com uma das netas, a jovem e bela moça, foi vista vagueando pelo jardim da antiga casa. A senhora chamou-a, mas não respondeu e uma das criadas de cabelo em pé ficou.
O pai ao chegar , não teve dúvidas e logo a apelidou de Jesuína, nome de uma rua atrás da antiga casa. Eu nunca a vi e nem quero. Sempre acreditei nas histórias que contavam acerca da jovem.
A casa veio abaixo. Era muito velha. Construíram outra maior. Ainda hoje, conta-se no local que a jovem por lá vagueia

Um comentário:

  1. Excelente texto! Coisas que não existem mais. Hoje em dia ninguém acredita em assombração. É uma pena, acabou-se o mundo mágico.

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