terça-feira, 23 de junho de 2009

Água Marinha

Quando eu nasci, minha tia Luci já era muito rica. Conta-se na família, que na época da II Guerra Mundial, o marido dela ficou rico da noite para o dia. Eu não me lembro dele, da minha tia lembro-me bem. Era uma morena corpulenta muito bonita de cabelos grisalhos. Vestia-se bem e sempre adornada com jóias lindíssimas. Acho que foi a partir daí que desenvolvi o meu fascínio por jóias, por ouro e tudo o mais que reluzisse.

Com a morte do meu pai, minha avó passou a morar conosco. A casa já era movimentada e com as visitas de minhas tias e tios, ela se transformou num verdadeiro salão de festas. Quase todas as tardes após a sesta, vovó sentava-se em sua poltrona predileta e eu, para não perder nenhum lance me posicionava ao seu lado, ouvindo as histórias que contavam. Dependendo da visita, eu ganhava um presente.

As mais esperadas por mim eram as do meu tio e padrinho Breno e da tia Luci. Gostava mesmo, era de olhar as jóias que minha tia usava e em especial um conjunto de águas marinhas. Os brincos eram de pedras pingentes com brilhantes e ouro acompanhando um lindo broche em forma de laço.

Numa dessas visitas, cheguei a ficar hipnotizada por eles, tamanha beleza. De boca aberta não conseguia tirar os olhos dos movimentos que minha tia fazia ao falar, balançando-os. Era linda a luz refletida nas pedras pelos raios do sol.

Debruçada em minha avó chamei a atenção de todos, não desgrudava o olhar daquele encanto. Finalmente, alguém me tirou do êxtase: “-Lourdinha !, Que coisa feia! Para de olhar para a Luci!.” Pisquei os olhos e explodi:”Mas são lindos!!”

Minha tia, meio sem graça e vaidosamente me perguntou: “-Voce acha mesmo?”-“Acho!! São lindos!” Respondi.

“-Então, serão seus quando eu morrer!”

Ora, eu não queria que ela morresse e graças a Deus isso só aconteceu muitos anos depois.

Eu queria apenas aqueles brincos lindos de água marinha.!! Onde eles estarão?

segunda-feira, 22 de junho de 2009

NOTRE DAME DE LA GARDE

Da janela do quarto se via a Bonne Mère. Como era linda, majestosa, a mãe bondosa, aquela que nos afaga, a misericordiosa. Desejei que estivesse virada para nós. Olhei para ela e silenciosamente supliquei por um milagre. Minha fé de tempos em tempos é testada e quase sempre a perco ou melhor não a encontro. Esse foi o momento. Olhei novamente para a imagem, os raios do sol do fim da tarde a iluminava de forma especial e ela, em cima sem me olhar, sem me conceder a graça que eu suplicava. Fazia frio, minha garganta ardia, minhas mãos estavam geladas e minha cabeça latejava.... Permaneci sentada num canto do quarto. Seis horas da tarde. A mulher do leito ao lado, levantou-se, pegou um tapete e o colocou no chão iniciando orações numa língua que eu não conseguia entender. Pensei no que ela estaria pedindo ou agradecendo ao seu Deus. Que Deus era aquele e que Mère era aquela que não me via de frente? Que não me ouvia? Saí do quarto, há tempos que não fumava, pensei ser uma ótima hora. Acendi o cigarro dei um trago bem longo, nem sei se o cigarro diminuiu minha dor. Desejei ter um copo de conhaque a mão. Minha nuca me incomodava e meus pés estavam dormentes do frio. O desespero tomou conta de mim, tive vontade de gritar, de pedir ajuda, mas a quem? Tantos anos cuidando dos outros, lidando com vidas e mortes e eu ali sem ninguém pra me consolar... As lágrimas corriam pelo meu rosto sem que eu percebesse. Eu não podia fazer nada, nada mesmo. Era a impotência diante da perda. Dizem que a maior prova de amor é deixar o outro ir. Eu deixei e aceitei. Era a primeira perda de tantas, aceita. Fiquei ali parada assistindo a partida. Cada gota, menos um minuto ...até que tudo terminasse..

segunda-feira, 15 de junho de 2009

EU COM CIÚMES???

Quem não tem ciúmes? Também tenho. Confesso que é um sentimento muito ruim. Ele cria coisas que só o Diabo sabe. É o Diabo sim!! Por que faz você imaginar, o que não existe e mesmo que exista é um sentimento seu, não é do outro. O outro, coitado, nem faz idéia das maluquices que passam na sua cabeça. Graças a Deus!! Que imaginação, que fertilidade, dava para escrever o roteiro de um filme. Pisca os olhos, sacode a cabeça, pensa em outra coisa mas a historinha volta. Ela volta, mesmo você tendo ido para a academia malhar, ao shopping ou ao salão fazer as unhas. É como se um diabinho estivesse no seu ouvido a inventar histórias, espetando aquele garfinho bem no lóbulo da sua orelha. Já esteve em alguma situação, em que o outro foi acintosamente paquerado na sua frente? E o coitado nem aí para o lance ou se prestou atenção, fingiu que não. Educado! Nada, está mesmo a fim de você e nem olhou para a maluca. Tem mulher que perde a noção do perigo. Coitada, te subestimando... Deixa ela ! As reações são diferentes e em algumas, dá vontade mesmo de pular na jugular da infeliz. Você é educada, ou pelo menos ficou. Equilibrada. Respira fundo, controla-se, não deixa o outro perceber. Disfarça, vai ao banheiro, pega um saquinho e respira dentro. Claro, quer mostrar que você é insegura? E você fica ali com cara de paisagem esperando que essa droga de sentimento desapareça até alguma outra sirigaita querer de novo invadir o seu território.



segunda-feira, 1 de junho de 2009

A ALMA DA CASA



Era uma casa que tinha alma. Ruídos esquisitos, ventos sibilantes, vultos corridos e luzes que tremulavam. Gritos vinham de várias direções. Eram crianças que corriam a procura de algo seguro. Era muita gente a transitar, a gritar e a querer alguma coisa. O assoalho rangia, as cadeiras estalavam e a noite, ficava apenas o tremor da chama das velas a iluminar os ambientes.
Todos haviam jantado. Foi quando sentiram a mesa tremer. Cada um correu para uma direção procurando um colo seguro. Era nada, apenas a irmã do meio a sacudir o móvel. Todos pensaram ser uma força de outro lugar, de outro mundo. Nem comentavam para não atiçar mais, quem estava quieto.
As duas irmãs menores, assustadíssimas, mantinham-se acordadas fazendo companhia uma a outra. Cansadas e amedrontadas, inventaram um jogo; cada uma dormiria cinco minutos. No cinco minutos de vigília de uma, a outra se entregou a Morfeu. Só e apavorada, a pequena cobriu-se tentando chamar o sono. Exausta, só acordou com o movimento matinal da casa.
A avó, desde cedo, já estava supervisionando as criadas na composição do café da manhã. Mesa farta, com pães, bolos , cuscuz cearense com muita manteiga e leite de coco. Mesa posta, a velha senhora refez suas tranças e sua oração da manhã. Sentou-se a mesa e a criançada com suas respectivas mães.
Confusão de sempre, um puxa daqui, outro implica dali mas ao final todos haviam se alimentado. Como uns raios, ganharam a rua. Bola rolou, corda bateu e pularam muito. Eram livres como o vento, corriam e brincavam de esconde esconde, pique estátua, queimado e muitas cantigas de roda. A tarde caía e o medo voltava.
A irmã do meio, medo algum tinha. Era esperta, esguia e ágil. Enfrentava tudo e todos a seguiam, até mesmo em excursões... ao cemitério, pela manhã é claro!
As duas menores, aos domingos, iam a missa e comungavam. Sem pegado algum, acreditavam estarem salvas do outro mundo. Ledo engano, pois a mais velha, rapidamente lhes contava o quanto estavam perto das almas mais puras do paraíso e dessa forma, poderiam ter visões de quem já tinha partido. Apavoradas, corriam em direção da velha avó, que lhes dava o terço, e punha-as a rezar.
E foi para quem menos acreditava em almas, que ela apareceu. A matriarca confundiu-a com uma das netas, a jovem e bela moça, foi vista vagueando pelo jardim da antiga casa. A senhora chamou-a, mas não respondeu e uma das criadas de cabelo em pé ficou.
O pai ao chegar , não teve dúvidas e logo a apelidou de Jesuína, nome de uma rua atrás da antiga casa. Eu nunca a vi e nem quero. Sempre acreditei nas histórias que contavam acerca da jovem.
A casa veio abaixo. Era muito velha. Construíram outra maior. Ainda hoje, conta-se no local que a jovem por lá vagueia